Mapa dos Assassinatos de Travestis e Transexuais no Brasil em 2017 é lançado em Brasília
A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), em parceria com o Observatório da Saúde LGBT e com o Núcleo de Estudos em Saúde Pública do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares – Ceam/UnB da Universidade de Brasília (NESP/CEAM/UnB), realizaram o lançamento do Mapa dos Assassinatos de Travestis e Transexuais no Brasil em 2017. O levantamento revela que só no ano de 2017, 179 pessoas Trans foram assassinadas. Esse resultado coloca o Brasil na liderança do Ranking mundial de assassinatos de Travestis e Transexuais.
Por Tamires Marinho
No mês de janeiro, representantes de associações, governos, entidades e movimentos sociais mobilizam-se em prol da Visibilidade Trans, que tem o dia 29 eleito como a principal data para marcar as ações que corroboram com a luta em defesa dos direitos e resgate da cidadania da população de Travestis e Transexuais.
Em alusão a data, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), em parceria com o Observatório da Saúde LGBT e com o Núcleo de Estudos em Saúde Pública do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares – Ceam/UnB da Universidade de Brasília (NESP/CEAM/UnB), realizaram, na última quinta-feira, 25, o lançamento do Mapa dos Assassinatos de Travestis e Transexuais no Brasil em 2017. O evento aconteceu na Faculdade de Ciências da Saúde (FS/UnB) em Brasília.
Participaram do encontro o coordenador do Observatório da Saúde LGBT, Edu Turte-Cavadinha, a professora e pesquisadora da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) Flávia Teixeira e a secretária de Articulação Política da ANTRA, Bruna Benevides.
De acordo com Bruna, autora do estudo, considerando o atual cenário político vivido no Brasil, em que as pautas dos transexuais e travestis estão sendo preteridas propositalmente, é extremamente importante reacender o diálogo e o debate a respeito desse tema. “Todo mundo já sabe que o Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo, mas o que a gente tem feito com relação a isso? Foi pensando nesses fatores que resolvemos fazer esse levantamento”.
A secretária ressalta que o levantamento elaborado pela ANTRA não traz dados da instituição, mas sim dados públicos que podem ser acessados por qualquer pessoa na internet. Bruna revela ainda que uma das maiores dificuldades encontradas ao longo do estudo é a subnotificação dos casos, pois não existem dados oficiais sobre a violência contra a população trans no Brasil. “Nós não temos hoje no Brasil uma política pública de levantamento de dados, vide a dificuldade de reconhecimento da identidade de gênero e do uso do nome social, bem como uma lei que criminaliza a discriminação contra a população LGBT, portanto, a maior motivação desse relatório é levantar dados a partir daquilo que é publicizado na mídia para que a gente tenha minimamente a possibilidade de materializar a violência que acontece com a nossa população”.
A violência a qual a secretária se refere pode ser vista nos números alarmantes do levantamento, que mostram que só no ano de 2017 ocorreram 179 assassinatos de pessoas Trans, sendo 169 Travestis e Mulheres Transexuais e 10 Homens Trans. Desse total, apenas 18 casos tiveram os suspeitos presos, o que representa 10% dos casos.
Fazendo as contas, chega-se a um resultado que justifica a atual posição ocupada pelo Brasil no ranking mundial de assassinatos de travestis e transexuais: a cada 48h uma pessoa Trans é assassinada no Brasil. De acordo com a ONG Internacional Transgender Europe (TGEU), que monitora os assassinatos de Travestis e Transexuais pelo mundo, entre 01/10/2016 e 30/09/2017, foram assassinadas 171 pessoas Trans no Brasil, seguidos de 56 mortes no México, 25 no EUA, 10 na Colômbia e 7 na Argentina e El Salvador no mesmo período.
A maior concentração dos assassinatos no Brasil ocorre na região nordeste, com 69 assassinatos (39% dos casos), seguido da Região Sudeste com 57, Norte e Sul com 19 casos e Centro-Oeste com 15 assassinatos.
Os dados superam os de outros anos, sendo o topo de assassinatos nos últimos 10 anos. Houve um aumento de 15% em relação aos 144 casos notificados em 2016. Em 2008, o Grupo Gay da Bahia – o único que contabilizava até então os crimes – noticiou 58 assassinatos de pessoas trans. O número subiu para 68 em 2009, 99 em 2010, 128 em 2012, 134 em 2014, 144 em 2016, até os 179 de 2017
Outro fator determinante destacado pela autora do estudo refere-se a forma como a mídia trata os casos de assassinatos contra travestis e transexuais. No ano de 2016, 22% das matérias sobre os assassinatos de pessoas trans não respeitaram a identidade de gênero das vítimas. O que dificultava ainda mais o levantamento dos dados, visto que acabavam por noticiar mortes de travestis e mulheres transexuais como se fossem homens gays; e Homens Trans como sendo lésbicas. Com o aumento da denúncia dessas violações e das discussões sobre diversidade de gênero, apesar e a despeito da censura anunciada pela bancada fundamentalista contra este debate, o diálogo sobre o tema foi intensificado nas redes e a importância das diferenças entre orientação sexual e identidade de gênero ganhou cada vez mais espaço na mídia. E o cenário segue mudando, mesmo que lentamente. No ano de 2017, houve um aumento de 46% do número de notícias em mídias e jornais que respeitaram as identidades de gênero e os pronomes de tratamento adequados as pessoas Trans nas matérias veiculadas.
Perfil das Vítimas
A vítima mais jovem noticiada tinha 16 anos e a mais velha 53 anos. O Mapa aponta que 67,9% das vítimas tinham entre 16 e 29 anos, caindo para 23% aquelas entre 30 e 39 anos, 7,3% entre 40 e 49 anos, e para 1,8% acima dos 50 anos. Nota-se que os índices mais altos de assassinato da população Trans, está diretamente relacionado as questões etárias. Onde quanto mais jovem mais suscetíveis a violência e a mortandade. Ao contrário daquelas pessoas que ultrapassam a estimativa de vida, vêem a possibilidade de ser assassinada/o diminuir ao longo de suas vidas.
As questões de gênero se reforçam e demonstram que 94% dos assassinatos foram contra pessoas do gênero feminino (169 casos). Reforçando a necessidade da equiparação e enquadramento do assassinato de Travestis e Mulheres Transexuais na Lei do Feminicídio, visto que a taxa de assassinatos de Travestis e Mulheres Transexuais, em relação a população Trans é de 11,9 homicídios a cada 100 mil, enquanto a taxa de assassinatos de mulheres cis é de 4,8 assassinatos para cada 100mil Mulheres Cisgêneras – que coloca o Brasil no 5º Lugar em assassinatos de Mulheres do mundo, de acordo com o Mapa do Feminicídio do Brasil – Dossiê Feminicídio.
Já na avaliação da raça, 80% dos casos foram identificadas como pessoas negras e pardas, ratificando o triste dado dos assassinatos da juventude negra no Brasil.
Propostas de ações
A partir dos levantamentos destes dados e das discussões sugeridas ao longo do relatório, a ANTRA pretende destacar metas e ações importantes a serem construídas, apoiadas e desenvolvidas em parcerias com o poder público, a fim de combater a violência contra a população de Travestis e Transexuais no Brasil, e que serão amplamente divulgadas e discutidas nos espaços propícios, seja na esfera pública ou da sociedade civil, em que houver representações da instituição. Entre elas destacam-se: efetivar a criminalização, qualificação e tipificação de crimes cometidos por discriminação contra a população LGBTI a fim de trazer visibilidade para conhecer melhor a dimensão e o contexto da violência mais extrema contra essa população; Incentivar denúncias, visto que a qualificação/tipificação e enquadramento como crime comum acaba por invisibilizar os dados e consequentemente as denúncias de violações e violências deixam de ser realizadas; possibilitar um efetivo levantamento de dados e demais nuances existentes nos assassinatos de pessoas Trans a fim de contribuir para a elucidação dos casos de forma correta; determinar padrões de procedimentos investigativos para as violações e violências contra a população Trans, além de se posicionar como cidadão no que diz respeito ao combate da impunidade refutando teses comuns – não só no Direito, mas em toda a sociedade, incluindo a imprensa – que, frequentemente, colocam a culpa do crime na vítima.